Em entrevista exclusiva aos Arautos do Evangelho, dom Orani João Tempesta explica como sentiu sua vocação religiosa, o caminho até o arcebispado do Rio de Janeiro e qual será a linha de sua gestão na capital fluminense
Como surgiu a vocação religiosa de Vossa Excelência?
Minha vocação monástica e sacerdotal nasceu durante uma Missa de Natal na paróquia onde fui coroinha dos 7 aos 14 anos, e depois catequista. Ao iniciar o 1º ano do ensino médio, decidi entrar para o mosteiro cisterciense, mas só o fiz quando terminei o ensino médio.
E com quantos anos entrou no mosteiro?
Com dezessete anos e meio comecei o noviciado. Um ano de noviciado, depois três anos de profissão temporária e, por fim, a profissão solene. Recebi a ordenação presbiteral em 1974, mas antes mesmo de ser ordenado, quando cursava em São Paulo o 3º e 4º ano de Teologia, já ia com frequência à minha cidade natal, São José do Rio Pardo, para trabalhar com as vocações e participar nas celebrações. Passei nessa cidade todo o meu tempo de sacerdote.
Qual foi o contributo do carisma cisterciense e como ele o preparou para o exercício do Episcopado?
Quando você está trabalhando, você não pensa no que vai fazer depois, nem imagina o que Deus lhe preparou ou para onde Ele vai chamá-lo. Eu sentia-me muito feliz em ser apenas monge, e aí fui chamado a ser vice-prior, depois prior e, por fim, abade. Realmente, a vida monástica me ajudou muito naquilo que depois vim a ser. Primeiro, foi o sentire cum Ecclesia, que é bem próprio de São Bernardo. "Sentir com a Igreja" é tomar como suas as preocupações da Igreja. E nisso nosso mosteiro se caracterizou bem. Cada mosteiro é diferente, conforme o lugar em que se encontra, e há uma grande diversidade na ação que cada um exerce: uns são mais de vida contemplativa, com trabalhos no campo, alguns são mais de escola, outros são mais de paróquias. A tradição italiana, do nosso mosteiro, é paroquial.Esse "sentir com a Igreja", que leva a preocupar-se com o povo, a sentir com a diocese, tudo o mais, foi-me preparando para a solicitude pela Igreja toda. Quando pároco, participei do Conselho de Presbíteros da diocese de São João da Boa Vista. De maneira que não saí do mosteiro sem conhecer o que é uma diocese. Além disso, a preocupação com a própria cidade, com a união das paróquias, com o trabalho na zona rural e na urbana, com os hospitais, com as comunidades religiosas - tudo de acordo com o lema beneditino: Ora et labora, ou seja, junto com a oração, o trabalho. Creio ser este o ponto que mais me marcou.Depois, a vida monástica proporciona uma espiritualidade litúrgica, ensina a ter a espiritualidade da Igreja. Não se trata desta ou daquela devoção, mas do Ofício Divino bem celebrado, bem cantado. Então, o fato de ter uma experiência litúrgica e bíblica - porque faz parte da tradição monástica haver toda manhã o tempo da lectio divina - tudo isso foi me dando, tanto a respeito da Liturgia como também da Palavra de Deus, esse "sentir com a Igreja" que é essencial para a vida monástica.
O lema "Ut omnes unum sint" ("Que todos sejam um") parece que sintetiza o plano pastoral de Vossa Excelência. Como pretende desenvolvê-lo na Arquidiocese do Rio de Janeiro?
Este lema se identifica com minha ordenação presbiteral e minha experiência paroquial. Mas quando assumi o cargo de abade, escolhi outro, que está na regra de São Bento: É mais útil servir. Este, porém, durou pouco, porque quando recebi a nomeação episcopal, voltei ao lema anterior.
Portanto, "Ut omnes unum sint" foi também o lema do presbiterato?
Exatamente. É uma lembrança da minha ordenação e do meu trabalho de sacerdote. Notei que na paróquia havia todo tipo de pastorais, de movimentos, de grupos e de situações. E, dentro dessa diversidade, trata-se de mostrar que todo mundo tem os seus valores e ninguém é maior ou menor do que o outro, mas cada um procura viver bem no lugar onde está. Então, tendo já uma experiência tanto nos encontros intermonásticos quanto nas atividades paroquiais, retomei o lema Que todos sejam um, quando fui chamado ao Episcopado. A Igreja contempla as diversidades dos carismas existentes e sabe valorizar tudo quanto há de beleza e de riqueza em cada um, mas procurando fazer com que todos caminhem juntos, na mesma unidade, na preocupação de evangelizar, de buscar o Senhor, de levar à santidade, para todo mundo ser melhor. Tanto na minha vida de pároco e de abade, como na de Bispo de Rio Preto e Arcebispo de Belém, vi como é realmente importante esse poder valorizar, e não dizer que a Igreja é só isso ou só aquilo, pois há nela uma diversidade muito grande de carismas aprovados, e todos devem caminhar na unidade. Isso é também um sinal para o mundo de hoje. Quando se quer o bem, tem-se abertura para o diálogo com os outros cristãos, com as outras religiões, com a sociedade, com a cultura de hoje e tudo o mais. Sem perder a identidade com aquilo que somos, devemos saber dialogar de alguma maneira, pois temos sempre muita coisa em comum, para tentar ajudar, e não brigar.
Qual o plano pastoral para a arquidiocese do Rio de Janeiro?
Vamos começar agora o trabalho do plano pastoral, temos já uma orientação para isso. O plano pastoral é importante porque, de certa forma, ele direciona os trabalhos para onde se quer chegar. Sabemos que a Igreja tem seu próprio plano pastoral enquanto Igreja, trata-se de ver o que dele se pode aplicar no Rio de Janeiro. E ao mesmo tempo, sabendo que a Igreja não pode perder sua identidade com aquilo que é a verdade, aquilo que ela é chamada a ser, o sinal de Jesus Cristo hoje para a sociedade. Não pode perder sua característica e sua beleza. Por outro lado, é preciso ver também o que há de positivo no Rio, para ajudar e fortalecer.
A expectativa é grande...
A julgar pelas perguntas dos repórteres, parece que chego lá como um mágico que tira da cartola a solução. A chegada do novo Arcebispo seria o coelho mágico da paz, do fim da violência no Rio de Janeiro...Na verdade, isso não é mágica. É preciso uma mudança de mentalidade, mudança de vida. Tendo o mundo chegado ao grau de egoísmo ao qual chegou, à ganância, ao individualismo e a tudo o mais, então, claro que tudo isso conduz à situação na qual nos encontramos. Agora, não é simples nem fácil dizer que, para poder mudar este mundo, se deve viver mais sobriamente, respeitar mais a vida do outro... Então, é toda uma mudança de mentalidade que a Igreja propõe. Ela não tem condições de impor nada, mas ela propõe e dá sinais de que é possível ser diferente.
Uma das múltiplas características da atuação apostólica de Vossa Excelência é a comunicação. Como pretende utilizá-la no Rio de Janeiro?
Em Belém eu tinha mais facilidade: dispunha de rádio, televisão, jornal e portal da Arquidiocese. Embora a Arquidiocese não tivesse emissora de TV, nós podíamos utilizar uma que cobria toda a Amazônia. Além de três programas semanais, contávamos com ela em qualquer outra oportunidade. Então, em termos de comunicação, havia em Belém uma facilidade muito grande. Isto nos ajudou a criar uma empatia com o povo, a mostrar a posição da Igreja em relação àqueles embates difíceis ali na Região Norte, como a questão da terra, da violência, de moral e tudo o mais. No Rio temos a rádio, mas esta não possui um poder de comunicação igual ao da TV. Claro que posso contar com as emissoras católicas, mas preciso tomar em consideração que elas visam o público do Brasil inteiro, não só do Rio de Janeiro. Embora eu possa abordar nelas os problemas específicos do Rio, devo ter em conta que a preocupação delas é mais ampla. De modo que, no relativo à televisão, resta-me a resolver o problema de como me dirigir ao povo do Rio de Janeiro. Mas temos aqui a emissora de rádio, o jornal e o portal da arquidiocese. Já é um caminho.A comunicação é muito importante hoje. Ela não soluciona o problema da evangelização enquanto tal - pois esta precisa ser personalizada, pessoal e presencial - mas é um meio de ir bem mais longe do que seria possível chegar apenas com a ação de presença.
Pretende Vossa Excelência utilizar-se da diversidade de carismas, na evangelização pessoal e presencial a que acaba de referir-se? Como?
Mas é claro! Todas as pessoas têm os seus dons e, na diversidade, alguns gostam de um jeito, outros gostam de outro. Acho que todos têm realmente o seu lugar dentro da Igreja. Por isso, temos de evangelizar todo mundo, todas as pessoas, com o seu chamado, com os seus carismas, seus dons e tudo o mais. Nesse ponto, cabe ao Bispo uma missão muito importante: a de estar presente, procurando aparar as arestas, porque às vezes surgem dificuldades entre uns e outros. Em casos como esses, o Bispo deve mostrar que todos são importantes para a Igreja. Temos hoje uma enorme diversidade, e o grande segredo - por isso gosto do lema que todos sejam um - é caminhar na unidade, onde cada um sinta-se amado pela Igreja e importante para a Igreja. Podem alguns estar mais preocupados com as questões sociais, e outros demonstrar mais empenho na espiritualidade e na evangelização. Todos, porém, são importantes.
A vinda do Papa ao Brasil, para a reunião do CELAM, deu como fruto o documento de Aparecida. Nele há quase uma nova visão eclesiológica, ou pelo menos uma chamada de atenção para uma Igreja missionária. Que nos diz Vossa Excelência a este respeito?
O estilo de Aparecida é diferente dos demais encontros do CELAM. É mais prospectivo: olhar para o futuro. É a constatação de uma mudança de época, e de que essa é uma mudança cultural. Nós sentimos isso, que há hoje uma mudança cultural, onde se procura pôr de lado os valores do Evangelho, Jesus Cristo. E Aparecida colocou bem: essa mudança supõe um novo posicionamento da Igreja. Por isso, o documento de Aparecida elabora o conceito de "discípulo-missionário". Junta "discípulo" e "missionário" numa só palavra, assinalando que é impossível que o discípulo de Jesus não seja missionário e, por outro lado, não é possível ser missionário sem ser também discípulo. Então, ela convoca toda a América Latina e Caribe para a missão continental. Na realidade, essa missão nada mais é do que cada qual viver o seu Batismo hoje, no seu país, na sua diocese. E a CNBB respondeu com o projeto O Brasil na missão continental. E cada diocese responde com o que pode fazer para que cada um dos seus cristãos católicos seja seguidor de Cristo, discípulo de Jesus, mas, ao mesmo tempo e como consequência, seja também missionário.Creio que Aparecida, neste momento de mudança cultural, de mudança de época, nos convida a retomar com entusiasmo renovado esta missionaridade como consequência do discipulado.
Excelência, gostaríamos de agradecer a gentileza de nos ter atendido e lembrar-lhe que os Arautos do Evangelho estão sempre à disposição da arquidiocese.
Eu também agradeço a oportunidade de dirigir-me aos leitores da "Revista dos Arautos" e aproveito para dizer que no Rio de Janeiro todos são muito bem-vindos. Conto com a ajuda de todos os carismas, também o de vocês, para poder evangelizar essa grande cidade.
Dom Orani
Nascido em 1950 em São José do Rio Pardo (SP), Dom Orani João Tempesta ingressou aos dezessete anos no mosteiro cisterciense dessa cidade e recebeu a ordenação presbiteral em 1974. Logo se destacou como vice-prior, depois prior e, por fim, abade desse mosteiro. Convocado à função de pároco, tornou-se um monge evangelizador. Foi Bispo da diocese paulista de São José do Rio Preto (1997-2004) e Arcebispo de Belém do Pará (2004-2009).
Além de presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Educação, Cultura e Comunicação, é membro de três Conselhos da CNBB: Permanente, Econômico e Episcopal de Pastoral.
Como surgiu a vocação religiosa de Vossa Excelência?
Minha vocação monástica e sacerdotal nasceu durante uma Missa de Natal na paróquia onde fui coroinha dos 7 aos 14 anos, e depois catequista. Ao iniciar o 1º ano do ensino médio, decidi entrar para o mosteiro cisterciense, mas só o fiz quando terminei o ensino médio.
E com quantos anos entrou no mosteiro?
Com dezessete anos e meio comecei o noviciado. Um ano de noviciado, depois três anos de profissão temporária e, por fim, a profissão solene. Recebi a ordenação presbiteral em 1974, mas antes mesmo de ser ordenado, quando cursava em São Paulo o 3º e 4º ano de Teologia, já ia com frequência à minha cidade natal, São José do Rio Pardo, para trabalhar com as vocações e participar nas celebrações. Passei nessa cidade todo o meu tempo de sacerdote.
Qual foi o contributo do carisma cisterciense e como ele o preparou para o exercício do Episcopado?
Quando você está trabalhando, você não pensa no que vai fazer depois, nem imagina o que Deus lhe preparou ou para onde Ele vai chamá-lo. Eu sentia-me muito feliz em ser apenas monge, e aí fui chamado a ser vice-prior, depois prior e, por fim, abade. Realmente, a vida monástica me ajudou muito naquilo que depois vim a ser. Primeiro, foi o sentire cum Ecclesia, que é bem próprio de São Bernardo. "Sentir com a Igreja" é tomar como suas as preocupações da Igreja. E nisso nosso mosteiro se caracterizou bem. Cada mosteiro é diferente, conforme o lugar em que se encontra, e há uma grande diversidade na ação que cada um exerce: uns são mais de vida contemplativa, com trabalhos no campo, alguns são mais de escola, outros são mais de paróquias. A tradição italiana, do nosso mosteiro, é paroquial.Esse "sentir com a Igreja", que leva a preocupar-se com o povo, a sentir com a diocese, tudo o mais, foi-me preparando para a solicitude pela Igreja toda. Quando pároco, participei do Conselho de Presbíteros da diocese de São João da Boa Vista. De maneira que não saí do mosteiro sem conhecer o que é uma diocese. Além disso, a preocupação com a própria cidade, com a união das paróquias, com o trabalho na zona rural e na urbana, com os hospitais, com as comunidades religiosas - tudo de acordo com o lema beneditino: Ora et labora, ou seja, junto com a oração, o trabalho. Creio ser este o ponto que mais me marcou.Depois, a vida monástica proporciona uma espiritualidade litúrgica, ensina a ter a espiritualidade da Igreja. Não se trata desta ou daquela devoção, mas do Ofício Divino bem celebrado, bem cantado. Então, o fato de ter uma experiência litúrgica e bíblica - porque faz parte da tradição monástica haver toda manhã o tempo da lectio divina - tudo isso foi me dando, tanto a respeito da Liturgia como também da Palavra de Deus, esse "sentir com a Igreja" que é essencial para a vida monástica.
O lema "Ut omnes unum sint" ("Que todos sejam um") parece que sintetiza o plano pastoral de Vossa Excelência. Como pretende desenvolvê-lo na Arquidiocese do Rio de Janeiro?
Este lema se identifica com minha ordenação presbiteral e minha experiência paroquial. Mas quando assumi o cargo de abade, escolhi outro, que está na regra de São Bento: É mais útil servir. Este, porém, durou pouco, porque quando recebi a nomeação episcopal, voltei ao lema anterior.
Portanto, "Ut omnes unum sint" foi também o lema do presbiterato?
Exatamente. É uma lembrança da minha ordenação e do meu trabalho de sacerdote. Notei que na paróquia havia todo tipo de pastorais, de movimentos, de grupos e de situações. E, dentro dessa diversidade, trata-se de mostrar que todo mundo tem os seus valores e ninguém é maior ou menor do que o outro, mas cada um procura viver bem no lugar onde está. Então, tendo já uma experiência tanto nos encontros intermonásticos quanto nas atividades paroquiais, retomei o lema Que todos sejam um, quando fui chamado ao Episcopado. A Igreja contempla as diversidades dos carismas existentes e sabe valorizar tudo quanto há de beleza e de riqueza em cada um, mas procurando fazer com que todos caminhem juntos, na mesma unidade, na preocupação de evangelizar, de buscar o Senhor, de levar à santidade, para todo mundo ser melhor. Tanto na minha vida de pároco e de abade, como na de Bispo de Rio Preto e Arcebispo de Belém, vi como é realmente importante esse poder valorizar, e não dizer que a Igreja é só isso ou só aquilo, pois há nela uma diversidade muito grande de carismas aprovados, e todos devem caminhar na unidade. Isso é também um sinal para o mundo de hoje. Quando se quer o bem, tem-se abertura para o diálogo com os outros cristãos, com as outras religiões, com a sociedade, com a cultura de hoje e tudo o mais. Sem perder a identidade com aquilo que somos, devemos saber dialogar de alguma maneira, pois temos sempre muita coisa em comum, para tentar ajudar, e não brigar.
Qual o plano pastoral para a arquidiocese do Rio de Janeiro?
Vamos começar agora o trabalho do plano pastoral, temos já uma orientação para isso. O plano pastoral é importante porque, de certa forma, ele direciona os trabalhos para onde se quer chegar. Sabemos que a Igreja tem seu próprio plano pastoral enquanto Igreja, trata-se de ver o que dele se pode aplicar no Rio de Janeiro. E ao mesmo tempo, sabendo que a Igreja não pode perder sua identidade com aquilo que é a verdade, aquilo que ela é chamada a ser, o sinal de Jesus Cristo hoje para a sociedade. Não pode perder sua característica e sua beleza. Por outro lado, é preciso ver também o que há de positivo no Rio, para ajudar e fortalecer.
A expectativa é grande...
A julgar pelas perguntas dos repórteres, parece que chego lá como um mágico que tira da cartola a solução. A chegada do novo Arcebispo seria o coelho mágico da paz, do fim da violência no Rio de Janeiro...Na verdade, isso não é mágica. É preciso uma mudança de mentalidade, mudança de vida. Tendo o mundo chegado ao grau de egoísmo ao qual chegou, à ganância, ao individualismo e a tudo o mais, então, claro que tudo isso conduz à situação na qual nos encontramos. Agora, não é simples nem fácil dizer que, para poder mudar este mundo, se deve viver mais sobriamente, respeitar mais a vida do outro... Então, é toda uma mudança de mentalidade que a Igreja propõe. Ela não tem condições de impor nada, mas ela propõe e dá sinais de que é possível ser diferente.
Uma das múltiplas características da atuação apostólica de Vossa Excelência é a comunicação. Como pretende utilizá-la no Rio de Janeiro?
Em Belém eu tinha mais facilidade: dispunha de rádio, televisão, jornal e portal da Arquidiocese. Embora a Arquidiocese não tivesse emissora de TV, nós podíamos utilizar uma que cobria toda a Amazônia. Além de três programas semanais, contávamos com ela em qualquer outra oportunidade. Então, em termos de comunicação, havia em Belém uma facilidade muito grande. Isto nos ajudou a criar uma empatia com o povo, a mostrar a posição da Igreja em relação àqueles embates difíceis ali na Região Norte, como a questão da terra, da violência, de moral e tudo o mais. No Rio temos a rádio, mas esta não possui um poder de comunicação igual ao da TV. Claro que posso contar com as emissoras católicas, mas preciso tomar em consideração que elas visam o público do Brasil inteiro, não só do Rio de Janeiro. Embora eu possa abordar nelas os problemas específicos do Rio, devo ter em conta que a preocupação delas é mais ampla. De modo que, no relativo à televisão, resta-me a resolver o problema de como me dirigir ao povo do Rio de Janeiro. Mas temos aqui a emissora de rádio, o jornal e o portal da arquidiocese. Já é um caminho.A comunicação é muito importante hoje. Ela não soluciona o problema da evangelização enquanto tal - pois esta precisa ser personalizada, pessoal e presencial - mas é um meio de ir bem mais longe do que seria possível chegar apenas com a ação de presença.
Pretende Vossa Excelência utilizar-se da diversidade de carismas, na evangelização pessoal e presencial a que acaba de referir-se? Como?
Mas é claro! Todas as pessoas têm os seus dons e, na diversidade, alguns gostam de um jeito, outros gostam de outro. Acho que todos têm realmente o seu lugar dentro da Igreja. Por isso, temos de evangelizar todo mundo, todas as pessoas, com o seu chamado, com os seus carismas, seus dons e tudo o mais. Nesse ponto, cabe ao Bispo uma missão muito importante: a de estar presente, procurando aparar as arestas, porque às vezes surgem dificuldades entre uns e outros. Em casos como esses, o Bispo deve mostrar que todos são importantes para a Igreja. Temos hoje uma enorme diversidade, e o grande segredo - por isso gosto do lema que todos sejam um - é caminhar na unidade, onde cada um sinta-se amado pela Igreja e importante para a Igreja. Podem alguns estar mais preocupados com as questões sociais, e outros demonstrar mais empenho na espiritualidade e na evangelização. Todos, porém, são importantes.
A vinda do Papa ao Brasil, para a reunião do CELAM, deu como fruto o documento de Aparecida. Nele há quase uma nova visão eclesiológica, ou pelo menos uma chamada de atenção para uma Igreja missionária. Que nos diz Vossa Excelência a este respeito?
O estilo de Aparecida é diferente dos demais encontros do CELAM. É mais prospectivo: olhar para o futuro. É a constatação de uma mudança de época, e de que essa é uma mudança cultural. Nós sentimos isso, que há hoje uma mudança cultural, onde se procura pôr de lado os valores do Evangelho, Jesus Cristo. E Aparecida colocou bem: essa mudança supõe um novo posicionamento da Igreja. Por isso, o documento de Aparecida elabora o conceito de "discípulo-missionário". Junta "discípulo" e "missionário" numa só palavra, assinalando que é impossível que o discípulo de Jesus não seja missionário e, por outro lado, não é possível ser missionário sem ser também discípulo. Então, ela convoca toda a América Latina e Caribe para a missão continental. Na realidade, essa missão nada mais é do que cada qual viver o seu Batismo hoje, no seu país, na sua diocese. E a CNBB respondeu com o projeto O Brasil na missão continental. E cada diocese responde com o que pode fazer para que cada um dos seus cristãos católicos seja seguidor de Cristo, discípulo de Jesus, mas, ao mesmo tempo e como consequência, seja também missionário.Creio que Aparecida, neste momento de mudança cultural, de mudança de época, nos convida a retomar com entusiasmo renovado esta missionaridade como consequência do discipulado.
Excelência, gostaríamos de agradecer a gentileza de nos ter atendido e lembrar-lhe que os Arautos do Evangelho estão sempre à disposição da arquidiocese.
Eu também agradeço a oportunidade de dirigir-me aos leitores da "Revista dos Arautos" e aproveito para dizer que no Rio de Janeiro todos são muito bem-vindos. Conto com a ajuda de todos os carismas, também o de vocês, para poder evangelizar essa grande cidade.
Dom Orani
Nascido em 1950 em São José do Rio Pardo (SP), Dom Orani João Tempesta ingressou aos dezessete anos no mosteiro cisterciense dessa cidade e recebeu a ordenação presbiteral em 1974. Logo se destacou como vice-prior, depois prior e, por fim, abade desse mosteiro. Convocado à função de pároco, tornou-se um monge evangelizador. Foi Bispo da diocese paulista de São José do Rio Preto (1997-2004) e Arcebispo de Belém do Pará (2004-2009).
Além de presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Educação, Cultura e Comunicação, é membro de três Conselhos da CNBB: Permanente, Econômico e Episcopal de Pastoral.
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